quarta-feira, 15 de março de 2023

A alma penada apita na curva, por Augusto Nunes

Presidente Dilma Rousseff, durante vistoria às obras da Ferrovia Norte–Sul, nos municípios de Anápolis e Goianira (Anápolis - GO, 15/03/2012) | Foto: Roberto Stuckert Filho
Presidente Dilma Rousseff, durante vistoria às obras da Ferrovia Norte–Sul, nos municípios de Anápolis e Goianira (Anápolis – GO, 15/03/2012)


Quando Geraldo Alckmin gravou o aviso em 2018, até o gramado da Praça dos Três Poderes sabia que o regresso do chefão do PT ao Palácio do Planalto seria uma volta à cena do crime. O que ninguém imaginava é que Lula conseguiria o terceiro mandato com Alckmin como vice-presidente — e pronto para garantir que não faltasse dinheiro a ser tungado. Fantasiado de coordenador do bando de mais de 900 companheiros amontoados no Gabinete de Transição, foi o antigo desafeto quem descobriu que, para começar a dar um jeito no país, Lula precisaria engordar o Orçamento de 2023 com mais R$ 145 bilhões. Um tucano desde criancinha que vira socialista já setentão é capaz de tudo.

Excitado com a aprovação no Congresso da malandragem batizada pela velha imprensa de PEC da Transição, Lula precisou de poucos dias para mostrar que recorreria ao mesmíssimo repertório de bandalheiras consumadas nos mandatos anteriores. Foi logo avisando que o BNDES tornaria a torrar dinheiro em empréstimos a países governados por caloteiros amigos. E que outros bilhões sumiriam no naufrágio dos estaleiros necessários para transformar o Brasil numa potência naval. Anunciar dois desastres desse porte em menos de dois meses de governo não é pouca coisa. Mas não era tudo, alertou na última semana de fevereiro a notícia inverossímil: o trem-bala está de volta.

Lula foi logo avisando que o BNDES tornaria a torrar dinheiro em empréstimos a países governados por caloteiros amigos


Ao contrário da gastança do BNDES e da exumação da indústria naval, a alma penada que Dilma Rousseff fingiu sepultar em 2014 foi exumada sem estardalhaço. Oficialmente, o governo não tem nada com isso. Desta vez, a construção do colosso sobre trilhos caberá à iniciativa privada. Visto de perto, é a cara do trem que no começo de 2008, quando apitou pela primeira vez numa curva do Plano de Aceleração do Crescimento, vulgo PAC, custaria R$ 20 bilhões, seria licitado em 2009 e começaria a voar sobre trilhos em 2014. Em julho de 2010, o presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff avisaram que o preço havia subido para R$ 33 bilhões e a inauguração ficara para 2016. Sem ter completado a fase do edital, ficou 50% mais caro e dois anos mais demorado.

“Vai ter gente que não vai gostar, porque estamos gastando dinheiro no trem-bala”, recitou Lula em julho de 2010. “Essa gente quer fazer um trem lesma, mas nós queremos logo o bicho mais ligeiro. O pessoal viaja para a China e lá o trem é maravilhoso, mas aqui no Brasil é aquele toc-toc pendurado. O Brasil tem competência e vamos fazer.” No mesmo mês, numa entrevista ao Programa do Ratinho, a candidata avalizou a promessa do padrinho: “Nós fomos, eu acho, o governo que mais importância nos últimos anos deu ao trem”, fantasiou. O entrevistador pediu mais detalhes sobre o trem-bala.

Depois de informar que as cidades às margens da ferrovia que ligaria o Rio de Janeiro e São Paulo ficariam parecidas com sucursais da Noruega, fechou o palavrório caprichando no dilmês castiço: “Agora, cê imagina que aqui o pessoal de São Paulo pode saí, passá lá, chegá e passá o dia lá em São Paulo, tomá banho de mar e voltar”, previu. Incapaz de acreditar na existência da inflação ou de ver o corrupto que está a um palmo do nariz, Dilma sempre teve “muito respeito” pelo ET de Varginha e nunca perdeu a fé no trem-bala que, entre tantas outras consequências miraculosas, traria para São Paulo as praias do Rio.

Durante a campanha eleitoral, a Mãe do PAC e Benfeitora dos Empreiteiros de Estimação admitiu que os trabalhos de parto custariam 53 milhões e sofreriam novo atraso. Mas o filhote preferido estaria apitando antes de 2020 na linha Rio–São Paulo. O número de estações dependia do local e da plateia do comício. No início da campanha eleitoral, não havia escalas no trajeto. Em poucas semanas, nasceram dez estações, que subiram para 11 durante uma discurseira em Aparecida.

Há muitas décadas os romeiros a caminho do santuário vencem a pé centenas de quilômetros. Estava na hora de embarcarem num trem-bala, veloz como tantos e mais chique que todos. Para escolher o melhor, Dilma examinou pessoalmente produtos fabricados na Itália e na Alemanha. Nunca revelou por quais motivos preferiu o modelo italiano, e solicitou ao fabricante uma proposta detalhada. Dilma não voltou a visitá-lo. Nem pagou a quantia combinada ao fazer a encomenda.

Em 2014, quando Dilma confessou que o trem-bala deixara de figurar entre as prioridades do governo, não houve choradeira. Nem havia motivos para tanto: o enterro aparente da ideia de jerico não incluiu a estatal inventada para cuidar exclusivamente das obras. A sobrevivência da Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade S.A., a ETAV, subordinada ao Ministério dos Transportes, transformou a maravilha ferroviária semimorta na única alma penada com direito a sede própria e funcionários pagos para devolver-lhe a saúde assim que surgisse alguma chance.

Nos últimos nove anos, a ETAV mudou duas vezes de nome. Em 2017, chamava-se Empresa de Planejamento e Logística (EPL), empregava 143 funcionários e consumia R$ 99 milhões anuais. Depois virou Infra S.A., e até agora não deu um pio sobre a Deliberação nº 47 divulgada no fim de fevereiro pela Agência Nacional de Transportes Terrestres, que outorgou à empresa TAV Brasil, constituída há um ano com capital de R$ 100 mil, autorização para “a construção e exploração de estrada de ferro entre São Paulo e o Rio de Janeiro pelo prazo de 99 anos”. Tradução em língua de gente: Lula quer de novo um trem-bala. Faltam dinheiro, projeto, cálculos financeiros, vagões e locomotivas. Mas sobra arrogância. E sempre sobrarão empresários sedentos de verbas federais.

Mesmo vereadores de grotão sabem que essa onerosa modernidade costuma coroar a montagem de uma ampla e eficaz malha ferroviária. Os governos do PT enxergam no trem-bala o começo da reconstrução de uma rede devastada pela incompetência, pela estupidez e pela ladroagem. Lula continua a achar que o Brasil tem tudo para matar de constrangimento o maquinista do trem-bala chinês. Nenhuma surpresa. Ele também acha que Napoleão invadiu a China.


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