Ilustração: Comício |
Corria o ano de 1962 quando meu pai contou à família que decidira candidatar-se a deputado estadual. A novidade surpreendeu a todos porque ele sempre atuara no setor privado, como pequeno empreendedor ou como executivo de empresas de maior porte. De onde lhe saíra tal ideia? Vivíamos os anos que se seguiram à renúncia de Jânio Quadros, o vice-presidente João Goulart assumira o poder, o estresse político nacional se expandira na sociedade. A política era assunto recorrente, tanto em casa quanto no colégio. Mas a candidatura anunciada realmente surpreendeu a numerosa plateia familiar (éramos sete irmãos).
Iniciou-se ali, na sala de casa, minha experiência com campanhas políticas. Meu pai foi eleito naquele mesmo ano e por três vezes renovou o mandato. As campanhas do deputado Adolpho Puggina eram feitas no pó e na lama das estradas de então, a bordo de uma trepidante Rural Willys. Sua “plataforma de comunicação” era o serviço dos Correios que levava aos fundões do mundo rural, onde estavam seus eleitores, pequenos “santinhos” impressos, cuidadosamente empacotados durante sucessivos mutirões familiares.
Para custear as despesas de eleição – cédulas, santinhos, gasolina e hospedagem – o “velho” fazia um empréstimo na antiga Caixa Econômica Estadual e o amortizava em prestações ao longo dos meses seguintes.
Dezesseis anos mais tarde, quando disputava o quinto pleito, ele comunicou que não seria reeleito. Seus antigos cabos eleitorais estavam querendo cobrar para angariar votos, pediam dinheiro, carro, material de publicidade vistoso, cartazes e os concorrentes estavam disponibilizando isso. Ele não iria fazer uma campanha milionária porque não tinha meios e não queria a política assim.
“O resultado disso será desastroso, meu filho”. Essas palavras do velho e experiente parlamentar me vêm de modo recorrente à lembrança quando observo a política como feita entre nós, em especial nos parlamentos. E de lá para cá essa situação só se agravou.
O leitor destas linhas pode estar pensando na corrupção que se instalou junto com a necessidade de custear campanhas caríssimas para um número crescente de partidos e de candidatos. Sim, é verdade. Mas a isso se agrega a corrupção da representação popular (equivalente à corrupção da democracia), sob o pujante impulso dos fundos públicos para custeio da política e das emendas parlamentares.
Este último e fatal elemento a fazer prova do “resultado desastroso” antevisto por meu pai permite, inclusive, que parlamentares se reelejam mesmo que, no desempenho do mandato, votem contra os interesses dos cidadãos entre os quais se incluem seus eleitores! Isso não importa, contanto que os recursos cheguem às bases e satisfaçam a relação de troca: para o candidato, voto é grana; para o eleitor, grana é voto. Com isso, corrompe-se a cidadania. Um desastre moral do qual poucos escapam, mas cujas consequências atingem a todos.
Voto distrital melhoria bastante isso, mas quem se importa?
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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