sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Estadista de galinheiro, por Augusto Nunes

 

Geraldo Alckmin, vice-presidente da República, e Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República
Foto: Ricardo Stuckert/PR

Em novembro passado, Lula identificou um dos vilões que o impediram de transformar o país, já nos primeiros 12 meses do terceiro mandato, numa Noruega com muito sol e carnaval: o feriadão. “Teve muito feriado prolongado”, explicou o presidente, incluindo entre os culpados pelo bisonho desempenho da economia a mania nativa de estender até o domingo seguinte, ou começar no sábado anterior, qualquer folga decretada por motivos cívicos ou religiosos que caia durante a semana. “O ano que vem os feriados cairão todos no sábado”, prosseguiu a agressão à língua portuguesa e ao calendário gregoriano. Isso significa que o PIB vai crescer um pouco mais, porque as pessoas vão ficar mais a serviço do trabalho. Em dezembro, Lula decidiu promover a feriado nacional, a partir deste 2024, também o 20 de novembro, eleito há algum tempo Dia da Consciência Negra. Como neste ano a data cairá numa quarta-feira, será reprisada outra brasileirice recente: meio mundo suspende o trabalho de sábado a quarta, outro tanto não dá as caras no emprego de quarta a domingo. Qualquer folga que caia no meio da semana virou senha para um feriadão que engole três dias úteis.

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Há tempos se sabe que o Brasil nunca foi para principiantes. O país de Lula vai se tornando incompreensível para os mais competentes brasilianistas. Oficialmente, por exemplo, são feriados nacionais a segunda e a terça de Carnaval. Neste ano, o alto comando do Congresso mandou avisar na quarta-feira de Cinzas que a folga do Carnaval, iniciada uma semana antes, só será encerrada na próxima terça. Também estão em local incerto e não sabido os ministros do Supremo Tribunal Federal — com a previsível exceção de Alexandre de Moraes, que permanece na chefia da maior, mais lenta e mais abjeta vara criminal inventada desde a criação do primeiro tribunal. É claro que o chefe do Executivo não perderia a chance de ampliar a milhagem e assombrar veteranos comandantes de Boeing.

Luiz Inácio Lula da Silva desembarca em Adis Abeba, na Etiópia
Foto: Ricardo Stuckert/PR

Nos dois primeiros mandatos, fez 139 viagens internacionais e pousou em 80 países. Em 2023, passou 75 dias longe do Brasil. Gastou cerca de R$ 1 bilhão em viagens. Enquanto espera a hora adequada para trocar de avião, quer torrar R$ 13,9 milhões para modernizar a internet do AeroLula. Também previsivelmente, tentou camuflar mais um monumento à vadiagem: “Embarco para o Egito nesta terça-feira de Carnaval, sempre trabalhando junto com o doutor Geraldo”. O codinome sugere que, para acompanhar o velho inimigo na volta à cena dos crimes, Alckmin deixou em casa o sobrenome e a vergonha. O suplente do ex-presidiário virou doutor Geraldo.

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“O Brasil tem fortes relações históricas e culturais com a África e devemos retomar o potencial dessa parceria”, recitou o palanque ambulante. O que efetivamente interessa a Lula não é a passagem pelo Egito. É a segunda etapa da viagem, reservada a uma reunião de líderes do continente africano em Adis Abeba, capital da Etiópia. É lá que Lula estará fantasiado de influencer planetário. A programação da parada no Cairo confirma que Lula baixou no Egito para presentear a primeira-dama com visitas às Pirâmides de Gizé, à Esfinge e ao Grande Museu Egípcio, compromisso que consumiu a quarta-feira. Na quinta, já ensaiando a performance na Etiópia, transformou o que deveria ser uma discreta reunião com o presidente egípcio Abdel Fattah El-Sisi numa constrangedora celebração da ignorância histórica e do analfabetismo político.

“Vivenciamos uma grande aula de história da humanidade, com ênfase na importância da preservação e da memória cultural”, caprichou Janja no Instagram, deslumbrada com a lua de mel bem mais opulenta e perdulária que a sonhada nos tempos de namorada de preso em Curitiba. Nos vídeos que documentam o passeio, o sorriso de Janja contrasta com a expressão entediada que Lula tenta em vão camuflar. O presidente itinerante jamais escondeu que não foi além do ensino fundamental porque não quis. “Sempre fui muito preguiçoso”, confessou numa conversa com o diretor de teatro Flávio Rangel.

Nunca se interessou por leitura, que considera “pior que exercício em esteira”. Escrever meia dúzia de linhas lhe parece um suplício insuportável. Nunca viu nada de útil na acumulação de conhecimentos. Por que haveria de entusiasmar-se com o regresso ao lugar que visitou em 2003, ao lado de Marisa Letícia, antecessora de Janja no posto cuja ocupante é contemplada com um vale-viagem sem limitação de prazos, distâncias e gastos?

Lula e os livros

Compreensivelmente, o que Lula perguntou, ouviu e comentou há pouco mais de 20 anos tem tanto a ver com aulas de história da humanidade quanto um palanque no sertão nordestino com o Coliseu romano. Na primeira visita, por exemplo, ao notar que algumas múmias descobertas de linho pareciam mais escuras do que as outras, o visitante quis saber se o Egito já foi governado “por um faraó de cor”. O guia explicou que pessoas mumificadas originárias do sul do Egito tinham a pele menos clara, mas não eram negras. Ao saber que Ramsés II gerou cerca de 200 filhos com 60 mulheres, Lula imediatamente deduziu que o mítico faraó “tinha tanta dor de cabeça que não tinha tempo para se preocupar com doencinhas”.

Marisa Letícia, então primeira-dama, e Lula, no início do primeiro mandato na Presidência, em frente às Pirâmides de Gizé, no Egito, em 2003
Foto: Antonio Milena/Agência Brasil

Enquanto a comitiva contemplava a Esfinge, o guia explicou que a gigantesca estátua com corpo de leão e rosto humano tinha perdido os ombros. “Ela teve bursite”, gracejou o chanceler Celso Amorim. Lula pode ter acreditado. Ele acredita em tudo o que diz o arquiteto da política externa da canalhice. Tanto assim que Amorim foi incluído no grupo VIP com assento no avião presidencial. E interferiu fortemente na montagem do desastroso discurso pronunciado por Lula na quinta-feira, ao lado do anfitrião El-Sisi. Com poucos parágrafos, o orador fortaleceu a imagem de pigmeu diplomático sem qualquer compromisso com a verdade. Lula acha que a plateia internacional vai acabar acreditando que o planeta será pacificado por um farsante que divide o país desde o século passado. A sorte do Brasil que pensa e presta é a vaidade do estadista de galinheiro. Lula ama tão intensamente o som da própria voz que não vigia com a necessária atenção o conteúdo ditado pela cabeça baldia. O palavrório no Cairo mostrou a nudez do cúmplice dos terroristas agrupados no Hamas, do antissemita feroz, do incapaz capaz de tudo, do pilantra que sonha com o desaparecimento de Israel, da Mãe dos Ricos disfarçada de Pai dos Pobres. A apresentação na Etiópia do besteirol ensaiado no Egito deverá apressar a trajetória descendente do político que, ao contrário de Getúlio Vargas, saiu da História para cair na vida bandida. Tomara que Lula seja na etapa final desta viagem mais Lula do que nunca.

Janja e Lula em recente visita às Pirâmides de Gizé, no Egito (14/2/2024)
Foto: Ricardo Stuckert/PR

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