Indultos natalinos da era petista serviram para colocar inúmeros criminosos de volta às ruas |
Todos conhecem a história do Homem-Aranha. Peter Parker, pouco tempo após descobrir seus poderes, deixou um assaltante, Dennis Carradine, escapar. Mais tarde, esse mesmo assaltante invadiu a casa dos tios com quem Peter vivia, Ben e May Parker. Em dado momento, o ladrão agarrou May, e Ben reagiu mandando que a largasse. Assustado com a reação, Dennis atirou e matou Ben.
Peter, então, aprende a dolorosa lição de que seu poder de impedir que o criminoso ficasse à solta acarretava uma responsabilidade de fazê-lo. Com poderes, vêm as correspondentes responsabilidades. A liberdade indevida do criminoso era um risco não só para os outros, mas para si próprio. Mais cedo ou mais tarde, é aquilo que é mais importante para nós que pode estar em risco.
Lembrei dessa história ao refletir sobre o indulto que o presidente Lula concederá a criminosos no Natal. O indulto é o perdão total da pena de um condenado e pode ser concedido pelo presidente da República por meio de decreto. Embora não seja obrigatório, tornou-se uma tradição brasileira a concessão do indulto a uma grande massa de presos no Natal.
Se nada for feito por nós, o presidente Lula provavelmente reeditará o último decreto de indulto natalino da era petista, perdoando a maior parte – atenção: a maior parte! – das penas de dezenas de milhares de condenados, colocando criminosos nas ruas e as nossas famílias em risco.
Ano a ano, os presidentes Lula e Dilma foram progressivamente ampliando o perdão da pena dos condenados. Embora o presidente Temer tenha em alguma medida replicado essa sistemática, estabeleceu regras um pouco mais rígidas, enquanto o presidente Bolsonaro concedeu indulto apenas em situações excepcionais: de caráter humanitário, para pessoas com doença ou deficiência grave, e para agentes de segurança pública.
Nos governos Lula e Dilma, os criminosos fizeram festa. A extensão do perdão concedido pelos governos petistas foi absurda, o que, como veremos, tem consequências muito graves sobre a segurança pública. Veja-se, por exemplo, como seriam tratadas duas situações hipotéticas à luz do último decreto petista, da presidente Dilma Rousseff.
Suponha que seu pai ou cônjuge discutiu com alguém na rua, entrou em luta corporal e foi esfaqueado até a morte na frente dos seus filhos, e que o assassino, sendo primário, foi condenado a uma pena de oito anos de prisão, pena que os tribunais reputaram justa para o caso. O indulto petista perdoaria dois terços da punição do homicida, livrando-o após cumprida uma pequena fração de um terço da pena.
Do mesmo modo, se um criminoso desviar milhões do INSS, enganar aposentados e se apropriar de suas economias; ou, ainda, furtar uma série de carros e casas, sendo condenado a penas que somassem até 12 anos de prisão, a sua punição seria totalmente perdoada após o cumprimento de apenas um terço dela, caso se repita, mais uma vez, o último indulto de Dilma.
Ainda que se concebesse o indulto como um instrumento de redução da população carcerária, embora isso seja questionável, até nisso ele se desvirtuou. Condenados que não estavam presos foram beneficiados pelo indulto de Dilma, que perdoava 83% das penas de prestação de serviços à comunidade, de prestações pecuniárias e até de doações de cestas básicas. Além disso, seu indulto alcançava a pena de multa aplicada em condenações criminais.
Some-se que condenados por corrupção, que representam uma ínfima fração da massa carcerária, receberam perdões generosos pelos decretos petistas – finja surpresa! Sente-se para ler isto: corruptos que desviaram milhões ou bilhões dos cofres públicos e que não devolveram o dinheiro roubado, caso não tenham mais patrimônio no seu nome para ressarcir a sociedade, tiveram 83% da sua pena perdoada, independentemente do tamanho dessa pena. O indulto petista, como se vê, é um verdadeiro insulto.
No mensalão, o efeito dos indultos petistas ficou muito claro. Políticos relevantes do esquema, como José Dirceu, do PT, e Pedro Henry, do PP, foram condenados a mais de sete anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Contudo, menos de dois anos depois da sua prisão, já tinham sido indultados, isto é, completamente perdoados.
O perdão integral da pena não é o único tipo de benefício concedido pelos decretos de indulto natalino. Há também o perdão parcial, chamado de comutação. O último decreto petista perdoava 25% da pena de réus primários e 20% da pena de reincidentes que já houvessem cumprido um quarto da pena e não se enquadrassem nas condições para o indulto. A comutação podia acontecer repetidamente, ano após ano, sempre sobre o remanescente da pena.
O sistema de “insultos” natalinos dos governos petistas é absurdo por três razões. Primeiro, fere de morte o princípio da individualização da pena, que busca estabelecer uma pena justa para o condenado, com base na gravidade do crime e circunstâncias do caso. Além disso, esvazia a ideia de reinserção progressiva do apenado na sociedade, mediante evolução gradual dos regimes de cumprimento de pena, pois abruptamente extingue a sanção criminal.
Segundo, ao esvaziar as punições estabelecidas pelos legisladores no Código Penal como adequadas para os crimes e transformar em pó as penas aplicadas por juízes, fere-se o sistema de freios e contrapesos entre os poderes da República. A magnitude dos indultos do presidente anula as funções do Legislativo e do Judiciário de definir as penas – funções essas conferidas pela sociedade por meio da Constituição.
Terceiro, é preciso reconhecer que grande parte dos criminosos é punida por pequena parte dos delitos que pratica – apenas quando são descobertos, comprovados e o processo chega ao fim sem ser anulado ou prescrever. O esvaziamento da maior parte da punição criminal estabelecida em condenações fomenta ainda mais a impunidade e, com isso, drena o caráter dissuasório da punição criminal. Em outras palavras, a impunidade ou a punição insuficiente do crime fazem o crime compensar. O indulto agrava a impunidade crônica brasileira.
Entendendo que o decreto de indulto de Temer violava a obrigação do Estado de conferir uma proteção adequada à sociedade contra os crimes por meio das punições criminais, o Ministério Público Federal, em 2018, questionou o indulto natalino de 2017. Do mesmo modo como as punições não devem ser excessivas, igualmente não devem ser insuficientes.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal, por 7 votos a 4, reconheceu que o indulto é um ato privativo e altamente discricionário do presidente da República. Com isso, validou a farra dos indultos dos governos dos presidentes Lula, Dilma e Temer.
Assim, sobrou uma única alternativa para impedir que os indultos de Lula voltem a colocar os criminosos na rua, no Natal, de modo precoce: a mudança da Constituição para limitar o poder presidencial de indultar. Por isso, elaborei uma Proposta de Emenda à Constituição para regular o poder do presidente de conceder indulto, limitando-o a no máximo 20% da pena, com exceção dos indultos individuais (graça) ou de caráter humanitário que não foram limitados.
Ontem, aconteceu a primeira vitória. A PEC foi formalmente protocolada, o que exigia a assinatura de 171 deputados. Esse primeiro passo da PEC, que tomou o número 7/2023, foi uma vitória da sociedade, que se engajou pedindo o apoio de deputados de todo o país. Agora, a PEC deverá ser despachada pelo presidente da Câmara para a Comissão de Constituição e Justiça, que deverá se pronunciar. Sendo admitida, será examinada por uma Comissão Especial e, em seguida, pelo Plenário da Câmara.
Nesse processo, a participação da sociedade seguirá sendo fundamental. A priorização de propostas no âmbito da sociedade deve ser tomada em conta para conferir prioridade à sua tramitação no parlamento.
O tempo urge e o dia do insulto se aproxima. No fim do ano se repetirão os decretos de impunidade natalina dos governos petistas e temos urgência em evitar que tantos criminosos ganhem esse presentinho de Lula, às custas da segurança de nossas famílias. Como no caso de Peter Parker, se cada um de nós não agir enquanto ainda há tempo, poderemos sofrer as consequências nas vidas de quem mais amamos.
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